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Espaço Vivo

Aqui é uma hospedagem coletiva, onde você pode conhecer fluxos, trilhas e colaborações de outros autores e artistas. Entre e passeie por novas formas, textos e histórias. Antes de chegar nesse nome, "Espaço Vivo", passeei por outros. Caminhei por Criadoria, Imaginâncias e Espaço do Poetizar. E deixei que o movimento e a abertura para o que é Vivo. Entre e fique à vontade. Respire, relaxe e aproveite.




Mais de um par de décadas sem visitar o ponto turístico. Antes, muitas câmeras fotográficas tentavam capturar instantes. Hoje, celulares de todos os modelos e marcas disputam espaço nas mãos de turistas ávidos.


A paisagem lá de cima continua linda, como sempre. A cidade, de fato, tem uma beleza estonteante. Era de se esperar fila de gente.


No entanto, o que mais me surpreende é para onde caminham as pessoas. Se é que caminham… gente de todas as partes.


Uma hora de espera para fazer a foto.


Debaixo do Cristo Redentor, imitam o gesto de braços abertos. Bem ali, exatamente no último degrau da escada, nem um passo a mais para a direita ou para a esquerda. Aqui, assim, agora, abre os braços, parada, sorria! Click!


Na fila, quem espera observa quem chegou ao topo da escada.


O mesmo gesto: a senhora, o moço, a criança, o casal, a turma de amigos. O rapaz, guia turístico, tenta produzir algo ainda mais elaborado. Deitado no chão, em busca do melhor ângulo, faz vídeo em câmera lenta e dá o comando da hora exata da pose para o gringo, num inglês improvisado. Vem mais um, imita o último, que será imitado pelo próximo.


E assim, centenas de pessoas, ou muito mais que isso, passam ali, diariamente, debaixo da estátua gigante em seus quase trinta metros de altura, altiva, sobre a Baía de Guanabara.


Algum peregrino faz uma oração, ao chegar. Nota-se certa contemplação debaixo da imagem de concreto revestida de pedra sabão. Outro se refresca na sombra que se estica no solo, ao meio-dia. E outros não sabem o que rezar. Talvez não saibam o que dizer, diante da beleza. Da estátua ou da paisagem talhada naturalmente sobre o mar.


Muitos agradecem as bênçãos de um sonho realizado e tantos outros pedem a benção da proteção àquele que parece abarcar todo o Rio de Janeiro nos braços esticados em vinte e oito metros de largura.


Porém, a grande maioria corre atrás da foto. Idêntica! Ai daquele que furar a fila, ou simplesmente decidir sentar-se no pé da escada para observar a paisagem.


Ali, não. Há que se deixar espaço para as selfies. Há que se imitar a estátua. O que ela representa, nem tanto.


A impaciência com alguém que demora um pouco mais no registro, ou com aquele que não compreende a dinâmica urgente da postagem na rede social, revela certa dissociação com o que pregou aquele representado lá no alto.


Quem sabe um espaço para o silêncio e a contemplação. Para que? Há muito ruído. Até os micos e os quatis, que dão as caras no Corcovado, parecem agitar-se com o barulho dos humanos tão perto da mata atlântica. Há tanto para se ver, por trás da estátua, por trás das montanhas…


Porém há uma pressa de se comunicar com quem não veio, de contar que esteve ali, que conseguiu, que não teve o perigo do Rio noticiado pela televisão, que o motorista do Uber foi gentil, que se está feliz, ainda que não seja uma verdade absoluta. Há uma pressa maior de ser curtido do que curtir.


O instante apreendido escapa pelas lentes de um celular, escorrem pelos dedos que digitam rápido e escorregam nas cabeças enterradas que se erguem muito pouco para ver a imagem grande e todo esplendor de natureza ao seu redor. Robôs obedientes à pressão social, sentem dor ao olharem para o alto. Dói a claridade do céu azul, dói a imensidão da estátua, e dói nossa pequenez diante dela.


Impossível não me lembrar da primeira vez. Foi num encontro nacional de corais de todo o Brasil. Mais de cem vozes nas escadarias. Importava menos a imagem e mais o som. A canção “Valsa de uma cidade” em diferentes tons que juntos formavam uma só melodia. De arrepiar quem pôde assistir. De emocionar que cantou junto. Foi o que disseram, quando vieram nos parabenizar.


De trás de nós: Ele: O Cristo Redentor. O mesmo, reproduzido em incontáveis registros.


Ontem, hoje e amanhã, quem sabe?

 

Minha amiga sempre fala da casa que era dos seus pais e ainda é mantida por ela e suas irmãs no interior de Minas. Quando precisa recarregar suas energias, ela vai até lá, mesmo sem os pais vivos. Isso me fez recordar que por muitos anos, quando criança, eu sonhava em ter uma avó para visitar no interior, e sabia exatamente como seria a sua casa.

 

Ela era bege e tinha um pequeno jardim na frente, com roseiras dos dois lados. No meio da casa, uma escada de três degraus, com o piso vermelho, dava em uma pequena varanda à esquerda. Eu sabia que o quarto dos meus avós, ficava à direita, mas sem porta para a varanda, apenas uma janela que compunha a fachada da casa. Eu imaginava também a cidadezinha, onde eu gostaria de passar as férias. Ela era bem arrumadinha, com casas pintadas de branco e com detalhes em cores diversas: azul, verde claro e amarelo. Todas as casas tinham um pequeno jardim na frente e davam para uma praça central, também muito bem conservada, onde era possível brincar e correr. E como brinquei e me escondi nessa praça. Cresci com essa casa dentro de mim, algo que me oferecia sonho, fuga e refúgio.

 

Jovem, passei a sonhar com uma vida no exterior. A fantasia não era tão rica em detalhes como a casa da infância. Na época, eu nem sabia como era a vida fora do país, e como eram as moradias por lá. Eu não pensava em uma cidade específica, apenas em algo relacionado ao estrangeiro; um outro tipo de fantasia, mais ligada ao comportamento das pessoas! Eu imaginava uma cidade onde adotaria padrões e exigências bem diferentes do que a minha família me impunha. Sairia de casa quando quisesse, sem ter que dar muita satisfação para a minha mãe. Mudaria o corte de cabelo, usaria meias coloridas, calças mais curtas e mocassins. Andaria sem medo de pivetes e usaria metrô ao invés de ônibus. E na atmosfera da cidade que imaginava, eu resolvia muitos conflitos sem ter que brigar de verdade em casa.

 

Os anos se passaram, eu me casei, tive filhos que também não tiveram avós com casas no interior, mas que viveram suas próprias aventuras na casa real das avós, sendo que uma delas é a mesma onde passei a minha infância. Meu marido e eu resolvemos nos mudar com os filhos por alguns anos para o exterior e muito do que eu havia sonhado e projetado não foi encontrado lá, até porque os tempos e os meus sonhos quando mudei eram outros. Adulteci. A realidade da vida vivida foi bem diferente de um sonho, e a minha aspiração acabou ficando mais ligada a ter de volta tudo que eu deixei na cidade onde sempre morei. Voltamos então para a cidade onde nasci, onde até hoje costuro tempos, sonhos e histórias.

 

De volta, sempre saio para tomar café com a minha amiga que traz lá do interior dela seus causos, cheios de muitas expressões regionais, muitas das quais, eu preciso de explicação.  Viajo nas suas histórias, e às vezes, penso que a cidade que ela me descreve é bem ali, colada na cidade para onde eu viajava imaginariamente.

 

O que vem se revelando é o sonho de que em um dia, quem sabe, eu simplifique ainda mais a vida e me mude para uma casinha amarela, numa cidade do interior de apenas uma rua.

 

Uma questão de voltar para casa no meu interior.

 

Atualizado: 1 de jul. de 2024





De vez em quando, a gente para e pensa em coisas que fazemos quase que automática e mecanicamente e por que paramos para pensar, ela deixa de ser fluida. Sei que artistas enfrentam pausas na sua criação, e eu longe de ser uma artista, tive recentemente meu tempo para pensar sobre a minha escrita. E, obviamente, ela se assustou, não eu, mas a escrita, e logo, logo se escondeu de mim. Com medo de assustá-la ainda mais, fiquei quietinha, sem movimentos bruscos ou busca desenfreada das possíveis causas. Tinha esperança de que um dia ela voltaria.

 

Enquanto isso, ia me aventurando em novas leituras. Interessante é que mesmo tendo a prateleira de livros me esperando, de vez em quando me pego na sem-vergonhice de achar que estou sem nada para ler. Acontece que um domingo se fez comprido, com chuva e sem compromissos, e o jeito foi escolher o mais simpático dos livros para me fazer companhia. Peguei a “Outra autobiografia” de Rita Lee que havia sido indicação de uma amiga, mesmo sem ter lido a primeira biografia da autora. Sem grande simpatia pela artista, convidei-a para se sentar e lá fomos nós duas para um bate-papo na leitura. O tema não era simples. Era sobre o fim da vida dela e o tratamento de um câncer no pulmão. Não estou adiantando o final, pois a abertura já veio com esse tapa na cara. Mas, entre a dureza da realidade que ela me apresentou, pude ver sua familiaridade com a nossa amiga em comum, a escrita, descrevendo dores e fatos daquele período da sua vida. Ver os bastidores da doença e o envelhecimento de uma artista teve algo curioso para mim: foi o ruir do palco e o reconhecimento da mulher, que assim como eu, estava enfrentando a fragilidade da vida, no meu caso através da velhice da minha mãe.

 

No meio de tanta dor, de esvaziamento, enfraquecimento eu vi que Rita tinha também a companhia da escrita. Era meio que a confidente, a boia salva-vidas dela, além de lhe oferecer uma certa esperança na vida.

 

Já lendo deitada no sofá, a leitura começou a embalar uma cochilada preguiçosa e dali mesmo, fui sonhando um novo lugar para a minha escrita. Uma brisa fresca foi passando pela janela, e uma manta foi desdobrada para fazer parte daquela reunião.

 

Por que eu penso em ensinamentos quando escrevo? A escrita, não a que publico, mas a que uso para mim mesma, geralmente tinha esse lado de organizar as ideias e me confortar. Mas cansei. Cansei dela nesse lugar. Quero menos mãe, menos conselho e mais vida, mais experiência. E, coitada da escrita, tantos anos conversando comigo de cima para baixo. Rebelei-me e a tirei desse lugar confortável, da mesma forma quando um adolescente desbanca o lugar todo-poderoso dos pais.

 

No dia seguinte, trocando figurinhas com uma amiga pelo telefone, troquei essas minhas impressões sobre a escrita. Entre outros assuntos que surgiram, falamos do teclado da minha filha, que estava sem uso na minha casa. Ela, por sua vez, confessou que havia se desgastado um pouco com o violão. A relação com ele estava cruel e injusta. Depois de anos de dedicação, ela concluiu que estava difícil lidar com ele sempre de costas para ela. Ela queria algo mais próximo, mais aberto e estava disposta a se expor a uma nova relação, agora com um teclado. Enquanto ela tecia suas palavras com os instrumentos, eu olhava para a minha escrita e era o mesmo que sentia. Eu não queria mais uma mãe distante, um pouco do tipo curta e grossa e sim uma amiga de prosa mais leve, fluida e cheia de trocas. Assim como a minha amiga, que se cansou da sua relação com o violão de costas e se interessou pelo teclado, para poder olhá-lo de frente, de cima e por inteiro, eu também estava aberta para experimentar um novo lugar para a minha escrita.

 

Fui acordando da pausa, e arrisquei abrir o meu computador e fazer uma resenha do livro da Rita Lee.

 
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